Considerações intempestivas sobre educação (continuação)

por António Augusto Oliveira Cunha e António Tavares

Ensinar e formar: Formação e ensino excluem-se de algum modo?

Na nossa reflexão anterior, distinguimos os conceitos de educação e ensino. Hoje vamos tecer algumas considerações sobre os conceitos de formação e ensino.
“Formação” é um termo que está na moda, e ademais cheio de sentido, quer dizer, polémico. Opõe-se, por vezes, a boa formação, livre, que desenvolve, ao ensino considerado dogmático e repressivo. Apesar de estar na moda, a realidade não é nova; basta pensar na aprendizagem, no sentido profissional, que sempre coexistiu com a escola e muitas vezes em concorrência com ela.
Mas que queremos dizer quando falamos de formação? Referimo-nos à formação técnica, profissional, militar, desportiva, e podemos acrescentar todas as “reciclagens”, a formação contínua, etc., e vemos que se trata sempre da preparação de uma categoria de indivíduos para tal ou tal função social. Formação e ensino excluem-se de algum modo?
Se reparamos nas expressões: “ensina-se qualquer coisa a alguém”; “forma-se alguém para qualquer coisa”, verificamos que a língua nos sugere aqui uma relação de exclusão. Sejamos mais claros: O objecto do ensino é o aluno enquanto pessoa; ensino inglês ao João. O objecto da formação é a função social: formação de professores, formação de mecânicos: - é o futuro professor ou o futuro mecânico que interessa, não o formando (João) enquanto pessoa.
Assim, vemos que a finalidade não é a mesma; e mesmo que se aprenda a mesma coisa, não se aprende da mesma maneira. Um professor de línguas que forma intérpretes ensina-os a traduzir o mais rápido e o mais claramente possível. Um professor que ensina uma língua aos estudantes mostra-lhes que há várias traduções possíveis, preocupa-se com o tempo pedagógico, isto é, com a reflexão; o seu objectivo não é dar um saber-fazer pronto a usar, o seu objectivo é fazer reflectir e compreender. A formação do mecânico trata o aprendiz como um meio para o exercício de uma função; o ensino do piano trata o aluno como um fim; é para ele que trabalha (a não ser que se esteja perante a formação de um virtuoso). Em toda a formação, seja a do cirurgião ou a do electricista, é a função social que tem valor de fim; o indivíduo apenas é um meio.
É certo que poderíamos colocar ainda a questão da relação, quase inxistente nos nossos dias, entre educação familiar e formação; mas seria necessário estudá-la noutras sociedades, arcaica, medieval, etc.
Mas seja como for, tocamos num paradoxo: “Educar”, “ensinar”, “formar”, termos aparentemente sinónimos, mantêm entre si relações de exclusão. Porém, a realidade é algo diversa, senão vejamos: No jardim de infância, ensina-se educando; na universidade, ensina-se tendo em vista as formações profissionais. Mas trata-se de um compromisso, e este faz-se, por definição, entre realidades antagónicas. Parece portanto que não se pode, nos nossos dias, falar de educação como de uma só e mesma realidade. A “unidade e diversidade da educação” será o assunto da nossa próxima reflexão; ou será ela intempestiva? (Ref. bibliográfica: O. Reboul, La Philosophie de l'éducation, cap. I).

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