Os riscos de má utilização do projecto: problematizando-os
por Carlos Jorge (cajo347@gmail.com)
Recebi o nº 4 do Jornal Etc. e foi com grande satisfação que constatei a qualidade/quantidade de informação que nos disponibiliza, assim como a qualidade gráfica do mesmo. Outra coisa não seria de esperar se observarmos que um dos seus promotores é, sem estar a ser excessivo, um dos mais criativos professores que a (nossa) escola pode regozijar-se de ter nos seus quadros. É de muito boa qualidade a maioria dos textos que o compõem! Mas, de entre todos, gostaria de referir-me ao artigo assinado por Maria Helena Padrão.
Este texto está bem escrito; metodologicamente, bem organizado e, sobretudo, problematiza o vocábulo projecto, a que o texto faz alusão, de forma teórica assaz irrepreensível. Não seria, pois, de esperar outra coisa de Maria Helena Padrão. Então, sendo assim, que razões subsistem para me referir a este texto?
Admito, como necessário, ir mais além para compreender a problemática a que o projecto e, sobretudo, o Projecto Educativo (a seguir designado p/PEE) nos remetem.
Considero absolutamente desnecessário repetir uma série de características teóricas que subjazem ao projecto por uma economia de espaço e porque Maria Helena Padrão, como já referi, o faz, e muito bem, no seu texto. Interessa-me, antes, abordar os riscos de má utilização do projecto com o objectivo muito claro de reflectirmos acerca dos que são boas práticas.
Que riscos de má utilização poderemos encontrar na utilização/construção de um p/PEE em muitos dos nossos estabelecimentos de ensino?
Poderemos identificar, senão se tomarem as devidas precauções, cinco riscos (cf. Barroso, J. 1992):
a) Projecto sem projecto - aquele em que o p/PEE não é mais do que o resumo de um plano de actividades, logo, sem problematização preliminar, e sem a consequente definição de objectivos, políticas e estratégias;
b) Projecto por decreto - o que é pró(im)posto pelos serviços centrais do Ministério da Educação e que as escolas perfilham burocraticamente, não se reflectindo, todavia, na (necessária) transformação interna e, por isso, não despontar como um verdadeiro projecto;
c) Projecto mosaico - que tem a pretensão de transformar uma acumulação de projectos sectoriais de grupos/departamentos num projecto global;
d) Projecto ghetto - que se caracteriza pela marginalidade das suas actividades, em relação ao funcionamento global da escola, de circunscrição reduzida e periférica, relativamente ao núcleo duro da organização da escola;
e) Projecto devaneio - um projecto que assenta em intenções vagas que não remetem para qualquer tipo de operacionalização.
Poderemos, pois, encontrar em muitas das nossas escolas p/PEE que se configuram/organizam em torno de qualquer um dos modelos discutidos ou, ainda, num compósito de alguns deles. Pelo que fica dito, o p/PEE não pode ser admitido como se de um texto canónico se tratasse, como se ele pudesse reflectir um ideal comum, mas, antes, como um texto com muitas incompletudes que necessitam, por isso, que, com ele, se estabeleça a necessária dialogicidade, no sentido de facilitar a sua permanente actualização/operacionalização.
Quando num p/PEE se aceita a canonicidade do (seu) texto, estamos a admitir que um(a) qualquer Director(a) Regional de Educação por mera hipótese de trabalho, (porque sabemos que estes órgãos são dirigidos por pessoas intelectual e culturalmente incapazes de tal desiderato!) possa obrigar a que se cumpra o que nele está escrito. Na minha segunda hipótese, admito a necessidade de dialogar com o p/PEE, i.e., o texto do p/PEE não é um documento fechado e, por isso, está sujeito a que os órgãos competentes da escola, nomeadamente o Conselho Pedagógico, e somente estes, decidam acerca dele. Neste sentido, sustento que o p/PEE não deve arrogar-se o direito de controlar o universo das acções que se desenvolvem no contexto escolar, não devemos concebê-lo na forma da alienação de cada um em prol do bem de todos, porque isto não só iria contra a liberdade pedagógica responsável, nomeadamente dos professores/grupos/departamentos, como também dos indivíduos enquanto entidades. (cf. B. & Cross, 1992). A história está cheia de (maus) exemplos de obediência cega aos ditames pró(im)postos! É claro que é mais difícil gerir o p/PEE como acto de gestão que convoca os órgãos competentes da escola, nomeadamente o Conselho Pedagógico, para reflectirem sobre as incompletudes do p/PEE e, consequentemente, definirem e decidirem os trajectos organizativos da acção. Mas é de certeza, desta forma, que se negam as peripécias administrativas e burocratizantes que se cumprem de acordo com normas preestabelecidas.
O p/PEE deve ser um meio mobilizador de vontades, [deve] incumbindo-lhe assim procurar, quotidianamente, ganhar novos adeptos. Não sustento, porque já perdi a ingenuidade, há algum tempo, de que toda a comunidade escolar e os diversos interesses que a constituem se revejam no (seu) p/PEE. Admito, por isso, que não se pode marginalizar/ignorar os que nele não se revêem; pelo contrário, defendo que se torna necessário agenciar no sentido de acolher as suas contribuições, integrando-as, sempre que possível.
Em síntese, o p/PEE é um texto aberto cuja potencialidade reside na sua capacidade de combinar a atracção pelo futuro e a acção no presente. A primeira convoca-nos para a definição de futuros possíveis, enquanto a segunda nos remete para a necessidade de diagnosticar/interrogar o presente, de identificar as tensões/constrangimentos, os recursos disponíveis e, consequentemente, definir objectivos e estratégias da acção. Aos órgãos competentes da escola, nomeadamente ao Conselho Pedagógico, e só a estes, cabe a gestão quotidiana do p/PEE. A accountability das escolas melhora, em geral, quando o seu p/PEE é um texto aberto e se decide, em resultado do diálogo, que é o motor da acção, o processo construtor da inovação.
Broch, M., & Cross, F. (1992). O Projecto de Escola Prisioneiro dos Métodos? Os Paradigmas Metedológicos ligados ao Projecto de Escolas in Canário R. (Org. Inovação e Projecto de Escola, pp. 143-163. Lisboa: Ed. Educa.
J., B. ( (1992) ). Fazer da escola um Projecto in Canário, R. (Org.) (1992). Inovação e Projecto Educativo de Escola, pp. 28-56. Lisboa: Ed Educar.
Recebi o nº 4 do Jornal Etc. e foi com grande satisfação que constatei a qualidade/quantidade de informação que nos disponibiliza, assim como a qualidade gráfica do mesmo. Outra coisa não seria de esperar se observarmos que um dos seus promotores é, sem estar a ser excessivo, um dos mais criativos professores que a (nossa) escola pode regozijar-se de ter nos seus quadros. É de muito boa qualidade a maioria dos textos que o compõem! Mas, de entre todos, gostaria de referir-me ao artigo assinado por Maria Helena Padrão.
Este texto está bem escrito; metodologicamente, bem organizado e, sobretudo, problematiza o vocábulo projecto, a que o texto faz alusão, de forma teórica assaz irrepreensível. Não seria, pois, de esperar outra coisa de Maria Helena Padrão. Então, sendo assim, que razões subsistem para me referir a este texto?
Admito, como necessário, ir mais além para compreender a problemática a que o projecto e, sobretudo, o Projecto Educativo (a seguir designado p/PEE) nos remetem.
Considero absolutamente desnecessário repetir uma série de características teóricas que subjazem ao projecto por uma economia de espaço e porque Maria Helena Padrão, como já referi, o faz, e muito bem, no seu texto. Interessa-me, antes, abordar os riscos de má utilização do projecto com o objectivo muito claro de reflectirmos acerca dos que são boas práticas.
Que riscos de má utilização poderemos encontrar na utilização/construção de um p/PEE em muitos dos nossos estabelecimentos de ensino?
Poderemos identificar, senão se tomarem as devidas precauções, cinco riscos (cf. Barroso, J. 1992):
a) Projecto sem projecto - aquele em que o p/PEE não é mais do que o resumo de um plano de actividades, logo, sem problematização preliminar, e sem a consequente definição de objectivos, políticas e estratégias;
b) Projecto por decreto - o que é pró(im)posto pelos serviços centrais do Ministério da Educação e que as escolas perfilham burocraticamente, não se reflectindo, todavia, na (necessária) transformação interna e, por isso, não despontar como um verdadeiro projecto;
c) Projecto mosaico - que tem a pretensão de transformar uma acumulação de projectos sectoriais de grupos/departamentos num projecto global;
d) Projecto ghetto - que se caracteriza pela marginalidade das suas actividades, em relação ao funcionamento global da escola, de circunscrição reduzida e periférica, relativamente ao núcleo duro da organização da escola;
e) Projecto devaneio - um projecto que assenta em intenções vagas que não remetem para qualquer tipo de operacionalização.
Poderemos, pois, encontrar em muitas das nossas escolas p/PEE que se configuram/organizam em torno de qualquer um dos modelos discutidos ou, ainda, num compósito de alguns deles. Pelo que fica dito, o p/PEE não pode ser admitido como se de um texto canónico se tratasse, como se ele pudesse reflectir um ideal comum, mas, antes, como um texto com muitas incompletudes que necessitam, por isso, que, com ele, se estabeleça a necessária dialogicidade, no sentido de facilitar a sua permanente actualização/operacionalização.
Quando num p/PEE se aceita a canonicidade do (seu) texto, estamos a admitir que um(a) qualquer Director(a) Regional de Educação por mera hipótese de trabalho, (porque sabemos que estes órgãos são dirigidos por pessoas intelectual e culturalmente incapazes de tal desiderato!) possa obrigar a que se cumpra o que nele está escrito. Na minha segunda hipótese, admito a necessidade de dialogar com o p/PEE, i.e., o texto do p/PEE não é um documento fechado e, por isso, está sujeito a que os órgãos competentes da escola, nomeadamente o Conselho Pedagógico, e somente estes, decidam acerca dele. Neste sentido, sustento que o p/PEE não deve arrogar-se o direito de controlar o universo das acções que se desenvolvem no contexto escolar, não devemos concebê-lo na forma da alienação de cada um em prol do bem de todos, porque isto não só iria contra a liberdade pedagógica responsável, nomeadamente dos professores/grupos/departamentos, como também dos indivíduos enquanto entidades. (cf. B. & Cross, 1992). A história está cheia de (maus) exemplos de obediência cega aos ditames pró(im)postos! É claro que é mais difícil gerir o p/PEE como acto de gestão que convoca os órgãos competentes da escola, nomeadamente o Conselho Pedagógico, para reflectirem sobre as incompletudes do p/PEE e, consequentemente, definirem e decidirem os trajectos organizativos da acção. Mas é de certeza, desta forma, que se negam as peripécias administrativas e burocratizantes que se cumprem de acordo com normas preestabelecidas.
O p/PEE deve ser um meio mobilizador de vontades, [deve] incumbindo-lhe assim procurar, quotidianamente, ganhar novos adeptos. Não sustento, porque já perdi a ingenuidade, há algum tempo, de que toda a comunidade escolar e os diversos interesses que a constituem se revejam no (seu) p/PEE. Admito, por isso, que não se pode marginalizar/ignorar os que nele não se revêem; pelo contrário, defendo que se torna necessário agenciar no sentido de acolher as suas contribuições, integrando-as, sempre que possível.
Em síntese, o p/PEE é um texto aberto cuja potencialidade reside na sua capacidade de combinar a atracção pelo futuro e a acção no presente. A primeira convoca-nos para a definição de futuros possíveis, enquanto a segunda nos remete para a necessidade de diagnosticar/interrogar o presente, de identificar as tensões/constrangimentos, os recursos disponíveis e, consequentemente, definir objectivos e estratégias da acção. Aos órgãos competentes da escola, nomeadamente ao Conselho Pedagógico, e só a estes, cabe a gestão quotidiana do p/PEE. A accountability das escolas melhora, em geral, quando o seu p/PEE é um texto aberto e se decide, em resultado do diálogo, que é o motor da acção, o processo construtor da inovação.
Broch, M., & Cross, F. (1992). O Projecto de Escola Prisioneiro dos Métodos? Os Paradigmas Metedológicos ligados ao Projecto de Escolas in Canário R. (Org. Inovação e Projecto de Escola, pp. 143-163. Lisboa: Ed. Educa.
J., B. ( (1992) ). Fazer da escola um Projecto in Canário, R. (Org.) (1992). Inovação e Projecto Educativo de Escola, pp. 28-56. Lisboa: Ed Educar.
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