Projeto Autor por Autor: às voltas com Machado de Assis


por Flavia Maria Corradin e Francisco Maciel Silveira
Universidade de São Paulo. Março/2009

Para Machado de Assis a realidade era boa, o Realismo é que não prestava. Tanto que não aceitava a lição positivista de que o homem era um produto passivo do meio, do momento histórico e da raça. Se acreditasse no determinismo imposto pelo cientismo realista, teria que resignar-se com sua condição de mulato pobre, deixando assim de galgar uma invejável situação como escritor na escravocrata sociedade carioca. Sua grande personagem feminina, a Capitu de D. Casmurro, foi outra prova de que a realidade fugia à falaciosa explicação da teoria determinista do Realismo/Naturalismo. Talvez Capitu tenha sido sua resposta ao grande tema realista do adultério. Ao contrário de Ema Bovary, de Flaubert, e de Luísa, de Eça de Queiroz, Capitu não é vítima do tédio conjugal provinciano, tampouco está envenenada pela deletéria literatura romântica que pinta paraísos terrestres para a aventura extra-conjugal. Ou seja, o adultério de Luísa e Ema Bovary explicam-se (mesmo?) à luz da equação realista. E o caso de Capitu? Teria havido adultério? Se houve, que razões outras, que não o momento, o meio, a raça, tê-la-iam conduzido aos maus lençóis? A grandeza do livro D. Casmurro reside no cepticismo acadêmico cultivado por Machado de Assis: nunca podemos dizer que esta ou aquela proposição seja verdade; só podemos afirmar que parece ser verdadeira, que é provável; não existe certeza, só probabilidade. A verdade não passa, pois, de mera opinião que se inculca no ânimo alheio como verdade. Não foi exatamente isso que o narrador Casmurro fez ao longo do seu relato?
Pena que cerca de um século depois a escritora portuguesa Maria Velho da Costa em sua digressão dramática Madame, ao promover o encontro ficcional das sexagenárias Capitu, de D. Casmurro, e Maria Eduarda, de Os Maias, na belle époque francesa, desvende o mistério que envolve a protagonista brasileira. Pela boca da criada brasileira, o mistério capituano é simplistamente desvelado: Capitu traiu Bentinho; Ezequiel é filho de Escobar. Não obstante a quebra do encanto do mistério, a peça tem uma série de méritos. Para além de suscitar no leitor hodierno o desejo de ler duas das obras máximas da literatura em língua portuguesa, ou seja, D. Casmurro e Os Maias, a Autora não só busca revelar as características psicológicas de duas Madames que, ao fim e ao cabo, se revelam profundamente mentirosas, como também sublinha o papel desempenhado pelas criadas, que funcionam como alter-ego de suas patroas. A lamentar que páginas e páginas de textos críticos ou literários caiam por terra, na medida em que Maria Velho da Costa, não padecendo do cepticismo acadêmico machadiano, afirme ser verdadeiro aquilo que fora urdido como mera probabilidade.

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