Duas estórias “essenciais”

por António de Montelongo (Pseudónimo)

1ªEstória:
Margarida, estudante universitária de vinte e tal anos, mostra-se muito desanimada e desiludida com a vida que leva. Sente-se só. O namorado, parece, deixou-a. No trabalho é assediada por quem ela não ama nem quer amar. E não é amada pelo ser que quer seu amado.
Numa pequena e aberta conversa com Margarida seu professor, em plena aula, interpela-a: “Já pensaste no privilégio que é existires, seres tu mesma? Já pensaste que, como qualquer outro vivente, és mais fruto de um qualquer acaso ou de algo sem clara explicação, que de uma simples racionalidade? Já pensaste que, se teus pais, nesse dia ou noite em que tu foste concebida, não se tivesem encontrado, tu, pura e simplesmente, não existirias? Numa análise mais fina, já reflectiste que, se o espermatozóide - que encontrou o óvulo no meio de milhões - fosse outro e não aquele, não haveria Margarida mas outro ser? Um pequeníssimo pormenor e não estarias aqui em lamúrias burguesas!”
“Eu tinha uma irmã gémea que morreu” foi, com a voz embargada, a resposta de Margarida. Compreendeu ela que a outra metade do óvulo e do espermatozóide não têm história...para contar!

2ª Estória:
Era uma vez uma menina que queria ser grande para ser feliz. Mas a menina desconhecia o que é ser grande e, verdadeiramente, desconhecia o que é ser feliz. Desconhecia quase tudo o que é próprio das pessoas crescidas.
Com o passar dos anos, os olhos da menina tornaram-se olhos de pessoa adulta e a criança de outrora começou a ter uma outra visão da vida. E foi vivendo os seus dias e festejando os seus aniversários com diferenciada felicidade. Fazer anos, por vezes, deprimia-a, outras vezes sentia-se muito satisfeita. Mas com o avançar do tempo nunca mais voltaria a sonhar ser feliz como sonhava quando era menina. A vida ensinou-lhe muitas coisas, umas boas e outras ...enfim. Ensinou-lhe que se sonha, se sofre, e que é importante tentar ser-se feliz. Mas a menina, hoje mulher, talvez ainda não tenha valorizado bastante o essencial. E o essencial é aquilo que é ou dá essência a tudo o que não o é.
Mas a menina, hoje mulher, gostaria de ter aquilo com que sonhava quando era criança. Será que a mulher que sonhava quando era menina já se apercebeu que sonhos de criança são apenas sonhos, e que a realidade será sempre outra, que não a realidade sonhada?
A menina cresceu, e contrariamente ao que, por vezes, aconteceu quando comemorou aniversários passados, está satisfeita e alegre. Os anos que hoje comemora não lhe estão a provocar a tristeza da meia-idade. Que lamúrias poderá ter quem faz anos com razoável saúde, emprego, casa, pais, filhos, amigos, etc? Que se poderá dizer de quem os faz doente, desempregado, sem família nem amigos?... A idade traz destas coisas: sensatez, algumas amizades, acomodação e um certo realismo.
Embora a menina, agora mulher, gostasse de ter tudo aquilo com que sonhava quando era criança, continua a sonhar outros sonhos e sonha porque tem a felicidade de fazer, mais uma vez, anos. Será que a mulher, que hoje faz anos, se apercebeu que fazer cinquenta anos é um privilégio negado a tanta menina?

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