Será que Darwin gostava de música?


por Beatriz Marques da Costa

Muito se publicou e falou de Charles Darwin durante este ano, a propósito do 200º aniversário do seu nascimento e do 150º aniversário da publicação do livro que mais o celebrizou A Evolução das Espécies por Selecção Natural. Dos vários livros e muitos artigos que li, não só os aspectos relacionados com o seu pensamento científico ficaram mais claros e melhor arrumados, como também se desenharam melhor alguns traços da sua personalidade, do seu temperamento e dos gostos pessoais. Uma pergunta no entanto não encontrou resposta: Será que Darwin gostava de música?
Na ausência de uma resposta inequívoca sobre os seus gostos musicais, poderemos encontrar pretexto para uma saborosa especulação e ficcional divagação sobre a música e os músicos do seu tempo.
Um dos períodos que mais marcou a História da Música Ocidental foi o Classicismo Vienense mas, quando Darwin nasceu em 1809, Mozart tinha já morrido há dezoito anos. Para nosso mal morreu jovem, jovem demais, certamente com tanta música ainda para compor. Haydn, outro grande vulto do Classicismo Vienense, viria a morrer em Maio desse mesmo ano em que Darwin nasceu e Beethoven, que completa a tríade dos grandes clássicos, tinha 39 anos e começava a ficar surdo. Apesar disso, estava numa fase muito criativa da sua vida e é depois de Darwin nascer que começam a aparecer, nas obras do grande mestre, os laivos do romantismo, principalmente nas sonatas e finalmente na sua grande obra inequivocamente romântica, a 9ª Sinfonia.
Será assim lícito pensar que Darwin ouvia ou gostava de Beethoven? Possivelmente não. Não podemos esquecer que, quando Beethoven morreu em Viena (1827), Darwin tinha 18 anos e andava certamente muito mais preocupado em coleccionar besouros do que propriamente a pensar num velho surdo que morava em Viena e escrevia uma música que, apesar de prodigiosa, certamente não lhe chegou aos ouvidos.
Quatro anos depois da morte de Bethoven em Viena, Darwin parte para a viagem a bordo do Beagle, acontecimento que viria a condicionar a sua vida, tanto ao nível do pensamento científico, como no que diz respeito à sua saúde, pois é sabido que, durante essa viagem, terá contraído uma maleita da qual nunca mais se livrou.
Quando regressa das Galápagos em 1836, com a cabeça cheia de ideias e o porão do navio a abarrotar de bichos pedras e plantas, permanece alguns meses em Londres e nesse período é provável que tenha ido a algum concerto mas a vida musical Londrina estava muito parada por esses tempos. A “Royal Opera House”, que tinha ardido completamente em 1808, estava ainda em obras e só viria a reabrir em 1843 como sala de Teatro. O “Royal Albert Hall” só viria a ser construído em 1871, a partir da ideia do príncipe Alberto, marido da Rainha Vitória. Por tudo isto, e no que toca à música, pouco se devia tocar por essas bandas.
Darwin vai depois morar para Downe e até 1859, data em que publica a “Origem das Espécies”, encontra-se completamente absorto nas suas pesquisas e pensamentos. Será então previsível que tenha perdido, em 1847, a reabertura da “Royal Opera House” como sala exclusivamente dedicada à Ópera, com a estreia da “Semiramide” de Rossini. Que noite fantástica perdeu, Senhor Darwin!
Não consta que Darwin tenha viajado pela Europa, onde poderia ter ouvido o piano de Frederic Chopin em Paris, ou as canções de Robert Schumann em Bona, ou ainda o piano de Franz Liszt em Bayreuth. Não, viveu sempre em Downe com a mulher, os filhos e os seus pensamentos. Correspondeu-se com muitos outros naturalistas da sua época, mas possivelmente pouco falaram de Música.
Não posso deixar de falar em Richard Wagner, o grande dos grandes da ópera romântica. Wagner e Darwin viveram em simultâneo, como se habitassem mundos paralelos. Darwin (1809/1889) - Wagner (1813/1883). Com toda a certeza nunca se cruzaram e possivelmente nem sequer ouviram falar um do outro.
Porque demoraram tanto a inventar a rádio, a televisão, o telefone e a internet?
No início falei-vos em saborosa especulação e ficcional divagação. Recuemos no tempo.
Estamos em1876 e Charles Darwin está sentado no seu cadeirão em frente à janela que dá para o jardim da sua casa de Downe. No bolso da camisa uma pequena caixa rectangular de onde sai um fiozinho preto que bifurca e lhe entra em cada um dos ouvidos. Que ouve tão absorto? A estreia da tetralogia “O anel dos Nibelungos” de Richard Wagner, directamente da Ópera de Bayreuth na Bavária.
Como diz Sebastião da Gama: ”Pelo sonho é que vamos”.

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