Rodrigues de Freitas: Um Republicano no Parlamento no século XIX


por António Augusto Oliveira Cunha e António Tavares (publicado em março de 2010)

Ideias pedagógicas


É indesmentível que na educação há uma dimensão política. Na realidade, a edu-cação é inseparável da vida da cidade (a pólis), das relações económicas e sociais que a constituem, bem como da forma do seu governo. Mais ainda, se por um lado ela depen-de de uma opção política, também é verdade que, sendo a geração de hoje quem forma a de amanhã, a educação nunca é politicamente “neutra”. Sob este ponto de vista, ela é, diga-se, a mais importante realidade política.

É nesta perspectiva que as discussões sobre cultura, instrução, educação e peda-gogia interessaram a Rodrigues de Freitas. Na condição de deputado republicano pelo círculo eleitoral do Porto, proferiu, nos dias 7 e 9 de Maio de 1879, no Parlamento, um discurso - considerado notável pelos seus contemporâneos - dedicado à problemática da educação e da instrução. Em 1888 publica um opúsculo sobre a vida e obra de Frederico Froebel (pedagogo alemão que teorizou e fundou os primeiros jardins de infância, os Kindergarten), onde, aqui e além, transparecem algumas das suas próprias ideias peda-gógicas; escreve um conjunto de três artigos sobre a educação feminina a nível secundário, publicados em O Comércio do Porto (nºs 230, 242, 277 de 1888), e ainda em 1895, publica em Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, após a reforma do ensino secundário de 1894 (conhecida por reforma de Jaime Moniz), um interessante artigo sobre a “A questão do Latim”.

Sobre o discurso que o autor proferiu no Parlamento, os editores classificaram-no como “um dos mais notáveis que têm sido pronunciados no parlamento português”. Cremos que a razão desta notabilidade deve ser encontrada nos ideais pedagógicos que o autor perfilha, e nas ideias que expõe em alguma ruptura com a prática e a ideologia pedagógica dominante. Acrescente-se ainda que os escritos de Rodrigues de Freitas sobre “a instrução” são percorridos por uma preocupação essencial: apresentar propostas concretas. Não se detém na crítica à situação - embora o faça sem hesitar. Parece-nos bem provável que não terá sido alheio ao consenso gerado pelo referido discurso, o lugar secundário que a crítica aí ocupa. É assim que o autor aí expressa a sua atitude: “não comprometo nenhum dos partidos que me escutam; apresento-lhes a minha opinião singelamente”.

São reduzidos os escritos de Rodrigues de Freitas sobre a educação, o que se compreende, por verdadeiramente não estarmos, em sentido estrito, perante um pedago-go. Mas mais difícil que ver nele um pedagogo, seria procurarmos no autor um pensamento pedagógico original. Se o raizame das suas ideias pedagógicas se encontra em Rousseau, Pestalozzi e Froebel (pedagogo que, como referimos, era familiar a Rodrigues de Freitas), elas têm no iluminismo e no positivismo a sua justificação filosó-fica.

Rodrigues de Freitas foi um político progressista, e como tal centrou as suas preocupações e o seu discurso pedagógico no problema da educação popular. Em nome da democracia, afirme-se, realçou o direito de todos a um mínimo de instrução, e em nome do desenvolvimento afirmou a imperiosidade de a educação ter conteúdos pro-gramáticos com características do que é denominado realismo pedagógico. Do direito à educação afirmou a solicitude (sic) do Estado de abrir escolas para o povo, com o fim de que cada um se possa realizar plenamente como indivíduo e membro da colectividade. Neste sentido, escreveu: “Que se dê, pois, instrução às classes laboriosas, que elas pro-gredirão rapidamente”.

Dos ideais do iluminismo evolucionista recebe a convicção da imperiosidade da instrução, e a certeza que uma política educativa, que cultive as ciências, “as indústrias” e as artes potencia a natureza humana. E mais uma vez, a sua postura democrática impõe-se na extensão dessa política a todas as classes sociais. É nesta atitude que privi-legia a instrução primária e dedica especial atenção à educação da mulher, então sonegada ou, quando muito, postergada para segundo plano face à do homem. Ainda nesta ordem de valores, realça a educação pragmática em detrimento duma educação formal, ou, se preferirmos, exprime a sua tenaz oposição à reforma do ensino secundário de 1894 de Jaime Moniz e ao tempo semanal consagrado ao latim em detrimento da matemática, das ciências da natureza e das línguas modernas.

Dos seus escritos vislumbram-se tentativas de justificação e compreensão da rea-lidade educativa, afirmando-a como um fenómeno de primeira necessidade, como solução para ultrapassar o atraso económico e o desenvolvimento do país. Considera “tudo que respeita à instrução pública” ser “importantíssimo” em todas as circunstân-cias, e acentua que “no estado actual da nossa pátria, a importância de tal assunto se me figura inexcedível”. Mas a sua atitude face ao fenómeno da educação é outra, é menos do domínio da compreensão ou da fundamentação e mais do da realização, já o disse-mos; por isso, nos seus escritos debate-se com situações concretas e apresenta propostas de reforma na instrução pública. E é interessante verificar também que Rodrigues de Freitas - com aplausos dos outros deputados - faz depender da educação e da instrução, a produção económica: “Torne-se maior a instrução útil de cada um deles, e tanto basta-rá para que o produto do trabalho nacional represente cada ano mais alguns milhares de contos de reis”.

Numa alusão à história da instrução pública, o autor realça o paralelismo entre o grau da decadência da educação e a opressão política vivida durante séculos: “temos suportado as consequências de um grande abatimento intelectual; sem este abatimento não poderíamos ter sido tão longamente dominados e oprimidos, como o fomos, pela teocracia e pelo absolutismo” Desta forma, na pena do Freitinhas (como era carinhosa-mente tratado em vida), emerge, como político, a crítica ao que foi chamado de “obscurantismo monárquico” e a afirmação da importância da educação como força emancipadora.

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