Considerações intempestivas (?) sobre educação.

por António Augusto Oliveira Cunha e António Tavares

1ª Qual a diferença entre an educating person e un homme bien élevé?
A questão que aqui se coloca é esta: há alguma diferença entre ser instruído e ser educado; ou se se preferir, o que distinge educar de instruir? A resposta, pensamos, implica que se esclareçam os termos, aparentemente sinónimos, mas que implicam, às vezes, relações de exclusão e são: educação, ensino, formação. Hoje ficamo-nos pelos dois primeiros.
Dizemos que uma pessoa educada pode não ser instruída, e sabemos que há pessoas muito instruídas que não são nada educadas (são mal-educadas). Mas precisemos e atendamos, por exemplo, à concepção inglesa de educação. Esta identifica educação com ensino, com o sistema escolar; é redutora. Neste sentido é que dizemos que an educating person é uma pessoa instruída, mas não é necessariamente uma pessoa educada, ou como dizem os franceses, un être bien élevé.
A educação em sentido restrito (être élevé) remete para o âmbito familiar. Trata-se de algo espontâneo; uma mãe que acaricia o seu bebé educa-o. Sem pensar nisso está a despertar nele a sua consciência do outro, desenvolve, sem o saber, a sua aptidão para comunicar. A ternura, a ternura espontânea é educativa; em contrapartida, uma ternura artificial não tem a mesma eficácia.
O ensino faz-se numa instituição, a escola (em sentido amplo); tem objectivos explícitos, programas e métodos; além disso, os seus mestres são profissionais conscientes da sua tarefa e das suas obrigações. Ou seja, o ensino não é espontâneo, mas intencional; cada professor deve saber o que ensina, e por que razão ensina. Ideal seria que compreendesse a abrangência da sua acção quanto às suas finalidades últimas. Mas isso é ideal...
Diferentes também são os valores da educação familiar e os do ensino. Na feliz expressão de Alain, a família é “a escola do sentimento”. Pelo facto de existir, e aceitando que ela é mais ou menos unida, transforma as pulsões animais da criança em amor, admiração, respeito, veneração, etc. A família forma a personalidade moral e as primeiras relações com outrem, mesmo que isso aconteça, muitas vezes, de uma forma dramática, como no-lo ensinou Freud. Não tem ainda razão a psicanálise quando vê nas relações familiares, frequentemente, fonte de neuroses? Os valores da escola são, pelo contrário, de ordem intelectual; trata-se dos saberes mas também da abertura de espírito, da honestidade intelectual, do espírito crítico, da justiça entre pares. Depois, a família é por essência hierárquica, mesmo sendo-o cada vez menos que antigamente. Ignora a igualdade, condição primeira para todo o verdadeiro diálogo; quer dizer que ela recusa ao indivíduo o direito de ter razão; precisemos, ter razão contra os pais, é, em última análise, faltar ao respeito e ao amor. “É quase sempre pelo preço do pensamento que se compra a paz dos lares” (diz Olivier Reboul, autor que nos conduziu nesta análise). A escola, a escola dos nossos dias, quer-se, pelo contrário, o lugar da igualdade; a cada um segundo o seu trabalho, a todos o direito de ter razão. (É assim, reconheça-se sem lamentações passadistas, que as coisas estão no domínio da educação escolar).
Hoje, educar e ensinar são pois actividades distintas, quer dizer, não se confundem necessariamente uma com a outra. São necessárias as duas, mas não é fácil prosseguir as duas ao mesmo tempo, nem é fácil confiá-las a uma só pessoa. Os pais, mesmo os muito cultos, não são capazes de instruir o seu filho, porque muito impacientes, ansiosos, apaixonados. Inversamente, o professor não é um pai; não está lá para amar, nem para ser amado; ele está lá para que o aluno aprenda. É certo que a educação tem também um sentido mais amplo. Será, oportunamente ou de uma forma intempestiva?-, a nossa próxima consideração.

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