Questões de Educação


por Maria Helena Padrão

O vocábulo “projecto” tem uma história marcada pela “apropriação que dele foram progressivamente fazendo distintas áreas do conhecimento” (Costa, 2007: 9)
Etimologicamente “projecto” deriva do latim e significava “lançar para diante”, mas, por influência do grego tomou o significado de “problema”. Na perspectiva de Boutinet são estas as duas dimensões fundamentais do desígnio de projecto. (Boutinet: 1994).
Segundo o mesmo autor, o conceito surge, na nossa história, associado aos projectos de arquitectura do Quatrocento Italiano, tendo depois designado os projectos de sociedade no Século das Luzes como resposta à necessidade de uma nova ordem social, política e económica. Já no século XIX e XX, o conceito está direccionado para os projectos existenciais, por influência, quer do Romantismo e quer da Fenomelogia.
Nas últimas décadas do século XX, a mudança do paradigma técnico para o paradigma tecnológico e os avanços científicos associados ao fenómeno da globalização criaram um período de incerteza e receio aos reptos do futuro mas simultaneamente esperança na capacidade de cada um em dar o seu contributo na construção de um mundo melhor e, deste modo, voltou a colocar-se no centro das preocupações dos programas governamentais o tema da educação, para dotar o cidadão com os instrumentos necessários para responder à pluralidade de desafios da sociedade, levando agora ao surgimento do novo conceito do termo “projecto”, configurando agora a ideia de que cada cidadão deve ser responsável pelo seu “projecto pessoal”.
“Todos, sem excepção, façam frutificar os seus talentos e potencialidades criativas, o que implica, por parte de cada um, a capacidade de se responsabilizar pela realização do seu projecto pessoal” (Delors, Jacques et al, 2005: 15).
Foi esta visão prospectiva da sociedade que fez alargar o conceito de projecto agora sob a forma de projectos individuais, projectos de estabelecimento ou projectos da empresa.
Nos múltiplos contextos do quotidiano este conceito encontra-se associado a um desejo, à «ideia de uma possível transformação da realidade.» (Matos Vilar, 2001) e a um «conjunto de intenções que pretendem dar sentido e antecipar a acção» (Pacheco, J. e Morgado, J. 2002: 11).
Também em educação o termo projecto surge como algo impreterível e alvo de um entendimento díspar entre os diferentes autores. Tal facto deve-se à associação do termo a um conjunto de práticas e domínios de acção, que abrange o campo pedagógico normativo e organizacional.
Celebrizado pela frase “learning by doing” foi com John Dewey, no início do século XX, que surgiu nas teorias pedagógicas configurando a pedagogia do projecto.
Para este pedagogo, a concepção do processo educativo apela à necessidade de experimentação como pilar estruturante de verdadeiras aprendizagens.
Esta nova metodologia do processo educativo marcou a passagem do Modelo da Escola Tradicional onde o professor era o centro e detentor do conhecimento para um Modelo da Escola Moderna onde o aluno se torna elemento activo no desenvolvimento do seu percurso educativo.
Este modelo tem como suporte de acção, o experimentalismo apelando ao interesse dos alunos, a preocupação em ligar o processo educativo a objectivos pragmáticos e práticos bem como o reconhecimento e o respeito pelos ritmos de aprendizagem.
O projecto é por isso um processo interactivo que resulta de uma criação colectiva, ou seja é no interior do grupo que as fases do seu desenvolvimento se estabelecem e que se expressa a vontade colectiva.
Através desta metodologia que implica os alunos no seu processo de formação e que tem como objectivo dar resposta a problemas de insucesso escolar, desenvolvem-se capacidades como o sentido de responsabilidade, sentido crítico, comprometimento, planificação, avaliação e espírito de colaboração. (Costa, 1999)
No caso português, a pedagogia de projecto surge por volta da década de 70-80, divulgada num Curso de Formação de Formadores (CICFF) organizado no Porto, em 1978, pela Comissão Instaladora deste curso e pela Escola Superior de Educação de Estocolmo.
Numa perspectiva cronológica o Projecto Educativo de Escola surge em 1986 em Espanha, em 1989 em França e Portugal com o Decreto de Lei nº 43/89 de 3 de Fevereiro e em 1990 surgiu em países como Luxemburgo e Dinamarca.
No final da década de 80, as mudanças políticas e sociais que vinham ocorrendo no país foram acompanhadas pelo sistema escolar, numa transformação da concepção de escola, em Escola Comunidade Educativa.
O projecto é, no plano educativo, a expressão de diferentes visões, juízos de valor, opções, crenças e perspectivas sobre os grandes princípios orientadores do fenómeno educativo. (Morgado: 2000)
A noção de educação e a noção de projecto tornaram-se indissociáveis o que tornou a expressão de projecto educativo quase uma redundância dentro do vocabulário pedagógico.
O projecto educativo de escola surge no âmbito da reforma educacional, como resposta à crise da organização escolar, tal como os projectos empresariais foram equacionados como resposta à crise económica.
O projecto educativo é um operador de ruptura porque procura romper com procedimentos instituídos no plano educativo e pedagógico (introduzindo a integração, a coordenação e o trabalho em equipa), no plano da gestão (visando eficiência e eficácia organizacional, aos indicadores e controlo de qualidade), no campo político (aprofundando a democracia participativa, a autonomia e a transparência) e no plano organizacional (enquanto instrumento de direcção e gestão de estabelecimentos de ensino e de responsabilização destes em função de um contrato negociado);
É um operador de coerência ao colocar em prática formas de exercício de poder eficazes e colectivamente legitimadas, ao desenvolver a coesão local, ao alargar as concepções de espaço (aberto ao espaço comunitário) e de tempo através da articulação do passado, presente e futuro contextualizado na história do estabelecimento.
Nesta perspectiva, o Projecto Educativo surge como resposta a duas necessidades distintas: a vontade de alterar uma situação indesejada e a necessidade de dar uma resposta eficaz e coerente a um problema do presente ou situação futura em consonância com determinados objectivos.
Neste sentido o Projecto é um processo com uma identidade própria que resulta da interacção entre a especificidade dos elementos que nele intervêm e do seu sistema de relações.
Cada escola tem o seu projecto e é este que traça o modo como a escola se relaciona com a sociedade, com a administração, e a sua margem de manobra na realização dos fins que lhe estão atribuídos.
Perspectiva-se assim, que o projecto determina a autonomia da escola através de um processo de ajustamento, a cada escola dos normativos nacionais, assim como o alargamento das iniciativas e influências da acção colectiva dos seus membros.
Considerado como um documento que orienta a acção da escola, é no projecto educativo que se registam as estratégias, os alvos a perseguir, em consonância com o diagnóstico e os valores inscritos no quadro de competências e funções que lhe cabem.

Pelo exposto se conclui que o projecto educativo de escola é um instrumento dotado de um carácter globalizador e multidimensional que reflecte um ideal comum e que clarifica a filosofia adoptada pela instituição educativa nos âmbitos pedagógicos, políticos, organizacionais e de gestão. Assim, na construção do Projecto Educativo, a comunidade educativa afirma o verdadeiro sentido da autonomia da escola ao fomentar as responsabilidades individuais e colectivas, marcando a mudança para um novo paradigma de escola- escola comunidade educativa.

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