Editorial (Edição nº8)

por Maria José Ascensão

A biodiversidade é a vida. A biodiversidade é a nossa vida», é o mote que as Nações Unidas associam a 2010, Ano Internacional da Biodiversidade. Será um ano de mobilização internacional para “celebrar a diversidade da vida na Terra e contrariar a perda da biodiversidade no mundo”.
Considerando o ritmo alarmante de extinções, mil vezes superior ao que seria natural, a ONU pretende aumentar a consciência sobre a importância da preservação da biodiversidade em todo o mundo, tendo em conta que esta perda é causada pelas actividades humanas e agravada pelas alterações climáticas. Um momento importante do ano será a Cimeira da Biodiversidade de Nagoya, no Japão, em Outubro de 2010, onde os governos irão definir os objectivos e etapas para contrariar a perda da biodiversidade. Espera-se que sejam capazes de priorizar os interesses globais face às conveniências económicas e geopolíticas de alguns. O ano terminará em Kanazawa, igualmente no Japão, com uma cerimónia que assinala o início do Ano Internacional das Florestas 2011. Uma acção global à escala local é a estratégia que se impõe. A consagração de 2010 a esta temática é, sem dúvida, uma excelente oportunidade para evidenciar a importância da biodiversidade na nossa qualidade de vida, reflectir e reavaliar as medidas já implementadas, reconhecer/apoiar as organizações activas e intervenientes e promover/dinamizar iniciativas de combate à perda da biodiversidade. É uma excelente oportunidade para demonstrar a urgência na tomada de decisões, face às brutais negligências e agressões a que a biodiversidade tem sido exposta em todo o planeta. O momento de agir tem de ser agora! Não se pode continuar a adiar, sob pena de comprometer o futuro e de ser já tarde demais para demasiadas espécies. (continua na página seguinte)
(continuação) A nível nacional, comunitário e europeu, está previsto um conjunto de políticas para o Ano Internacional da Biodiversidade. Segundo Stavros Dimas, Comissário Europeu do Ambiente, "Parar a perda de biodiversidade é uma absoluta prioridade para a UE e um objectivo essencial para a Humanidade". Segundo a Agência Europeia do Ambiente, as várias políticas incidem em medidas de protecção específicas para espécies e habitats importantes em favor do desenvolvimento sustentável. Os principais objectivos do plano de acção a nível internacional visam reforçar a importância de conservar a biodiversidade tanto para o bem-estar do Homem como para o desenvolvimento da economia e consciencializar o maior número de pessoas possível. Em Portugal foi criada uma Comissão Nacional presidida pelo Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade.
A biodiversidade pode ser definida como a "variabilidade entre os organismos vivos de todas as origens, incluindo os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos dos quais fazem parte; compreende a diversidade dentro de cada espécie, entre as espécies e dos ecossistemas" (Decreto Lei nº 21/93 de 21 de Junho, que ratifica a Convenção da Biodiversidade).
Biodiversidade ou diversidade biológica é, pois, a diversidade da natureza viva. A biodiversidade não é estática. É um sistema em constante evolução tanto do ponto de vista das espécies como de um só organismo. De acordo com dados científicos, a meia-vida média de uma espécie é de um milhão de anos e 99% das espécies que já viveram na Terra estão hoje extintas. O número exacto de espécies actualmente existente é desconhecido: até à data foram identificadas cerca de 1,7 milhões mas as estimativas apontam para um mínimo de 5 milhões e um máximo de 100 milhões. Só em insectos, as estimativas oscilam entre os 15 mil e os 100 mil. A biodiversidade não é distribuída igualmente na Terra. Ela é, sem dúvida, maior nos trópicos (onde estão presentes 50 a 90% das espécies já identificadas), dado que a riqueza de espécies tende a variar de acordo com a disponibilidade energética, hídrica, o clima, a altitude, etc. Durante as últimas décadas, o mundo assistiu a uma acentuada erosão da biodiversidade com taxas alarmantes de degradação de habitats e de extinção de espécies. A ocupação humana de áreas silvestres ou mesmo selvagens, o impacto da poluição e da produção de alimentos põem em causa a preservação de espécies e de habitats. Os seis mil milhões e meio de pessoas no planeta estão a ser responsáveis pela sexta maior extinção de espécies na história da Terra e pela maior desde o desaparecimento dos dinossáurios, há 65 milhões de anos. Embora se tenha reduzido na última década, a destruição anual da floresta continua a representar uma área de cerca de 70 000 km2.
Muitos cientistas consideram que a taxa de desaparecimento de espécies está a atingir o nível mais elevado de sempre. Calcula-se que, nos últimos 500 anos, se tenham perdido 800 espécies de animais e plantas. Um estudo publicado em 2004, na revista Nature, sobre os possíveis impactes de um cenário de alterações climáticas moderadas em 1.103 espécies de mamíferos, aves, anfíbios, répteis, borboletas e outros invertebrados, em seis zonas ricas em termos de biodiversidade, mostrou que 15 a 37% das espécies poderão extinguir-se até 2050. Muitos biólogos acreditam que, se nada for feito, caminharemos para uma extinção em massa. Alguns estudos mostram que cerca de 12,5% das espécies de plantas conhecidas estão sob ameaça de extinção. Quase todos atribuem as perdas às actividades humanas, em particular à destruição dos habitats de plantas e animais. Alguns justificam a situação não tanto pela sobreutilização das espécies ou pela degradação do ecossistema, mas sobretudo pela sua excessiva padronização. A domesticação de animais e plantas em larga escala é um factor histórico de degradação da biodiversidade, gerando a selecção artificial de espécies, onde alguns seres vivos são seleccionados e protegidos pelo homem em detrimento de outros. As perdas de diversidade ocorrem tanto nas florestas tropicais e mediterrânicas, como nos rios, lagos, desertos, montanhas e ilhas. As estimativas mais recentes prevêem que, às taxas actuais de desflorestação, 2 a 8% das espécies que vivem na Terra venham a desaparecer nos próximos 25 anos.
Para a Agência Portuguesa Ambiente, as principais ameaças à biodiversidade são as mudanças na utilização dos solos, que fragmentam, degradam e destroem os habitats (esta mudança de afectação deve-se, principalmente, ao crescimento demográfico e ao aumento do consumo por habitante, dois factores que irão intensificar-se no futuro e gerar maiores pressões); alterações climáticas, que destroem certos habitats e organismos, perturbam os ciclos de reprodução, obrigam os organismos móveis a deslocar-se, etc.; outras pressões importantes como a sobreexploração dos recursos biológicos, a difusão de espécies alóctones invasivas, a poluição do ambiente natural e dos habitats, a mundialização, que aumenta a pressão devida ao comércio, e a má governação (incapacidade de reconhecer o valor económico do capital natural e dos serviços ecossistémicos).
O desaparecimento de espécies únicas é uma perda inestimável e irreversível que nos deixa muito mais pobres. Para além de serem consideradas uma tragédia ambiental, estas extinções têm profundas implicações no desenvolvimento económico e social, pois a espécie humana depende da diversidade biológica para a sua própria sobrevivência, dado que pelo menos 40% da economia mundial e 80% das necessidades dos povos dependem dos recursos biológicos.
A conservação da diversidade biológica tornou-se verdadeiramente uma preocupação global.
Já em 1972, a Convenção da UNESCO, em Estocolmo, estabelecia que os recursos biológicos eram uma herança comum da humanidade. A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) é um dos principais tratados internacionais resultantes da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro, em Junho de 1992; estabeleceu os direitos e as obrigações de cada país em matéria de conservação da diversidade biológica. Tendo por objectivos "a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável dos seus componentes e a partilha justa e equitativa dos benefícios provenientes da utilização dos recursos genéticos", a Convenção é o primeiro acordo que engloba todos os aspectos da diversidade biológica: genomas e genes, espécies e comunidades, habitats e ecossistemas. Reconheceu-se assim que a conservação da diversidade biológica deve ser uma preocupação comum da Humanidade e indissociável do processo do desenvolvimento económico e social. A Convenção promove uma nova forma de parceria entre os países, baseada na cooperação científica e técnica, no acesso aos recursos financeiros e genéticos e na transferência de tecnologias limpas. A Convenção sobre a Diversidade Biológica é, por isso, um dos mais recentes e significativos instrumentos do direito internacional e das diplomacias no âmbito do ambiente e desenvolvimento. Não obstante, e apesar de subscritas por 188 países, as propostas sobre a implementação dos princípios da CDB não avançam porque alguns países, como é o caso dos Estados Unidos da América, não ratificaram o tratado, não sendo, por isso, obrigados a respeitar os seus princípios. Não faltam estudos científicos nem instrumentos legais. Falta sobretudo a vontade e a coragem política para avançar.
Portugal possui uma grande diversidade biológica, incluindo um elevado número de espécies endémicas e de espécies-relíquia. O reconhecimento da importância da biodiversidade como património natural na afirmação da nossa identidade, levou Portugal a ratificar a Convenção sobre Diversidade Biológica através do Decreto-Lei nº 21/93, de 29 de Junho, tendo entrado em vigor a 21 de Março de 1994.
Associações ambientalistas como a Quercus, o Geota e a Liga para a Protecção da Natureza têm visões críticas acerca do relatório de execução da Estratégia Nacional da Conservação da Natureza e da Biodiversidade. Ressaltam o pouco que foi feito até ao momento bem como as dificuldades do conjunto de instrumentos legalmente instituídos para salvaguarda dos nossos valores naturais (Estratégia Nacional da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, a Rede Nacional de Áreas Protegidas, a Reserva Ecológica Nacional e Reserva Agrícola Nacional, as Zonas de Protecção Especial, os Sítios Natura 2000, para além de outros estatutos de protecção) face às necessidades de intervenção, constatando “uma paradoxal contradição entre o País legal e institucional e o estado da conservação da natureza e da Biodiversidade” (LPN).
Segundo o presidente da LPN, Eugénio Sequeira, “é de loucos ver como temos todo este conhecimento do mundo, como dominamos todos os progressos e, ainda assim, sermos tão bárbaros. O pior é que, cada vez que temos a consciência de que é preciso fazer isto ou aquilo, a única coisa que nos impede de o fazer são razões económicas. As razões económicas não têm valor se daqui a 20 anos já não estivermos cá".
A eco-responsabilização é algo que nos compete a todos. O Dia Internacional da Biodiversidade, que se assinala a 22 de Maio, será uma óptima ocasião para sensibilizar os mais desatentos para a premência da acção.
Não esqueçamos: «A biodiversidade é a vida. A biodiversidade é a nossa vida».

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